terça-feira, 2 de junho de 2020

Direito a moradia digna e a COVID-19


O déficit habitacional no Brasil ultrapassou mais 7,58 milhões de
unidades habitacionais em 2017, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Esse número aponta um crescimento de 7% em 10 anos, de 2007 a 2017.
Segundo o Palácio do Planalto, nos governos de Lula e Dilma o Brasil
conseguiu contratar e entregar mais de 5,4 milhões de unidades habitacionais
no país, quantidade ainda abaixo da necessidade para suprir o déficit
habitacional. Ou seja, ainda temos famílias que vivem em situação de risco e
vulnerabilidade, e em situação de extrema pobreza, sem infraestrutura e sem
saneamento básico, em unidades sanitárias precárias onde a coabitação é uma
realidade da precarização da moradia.
A pandemia atual do coronavírus, disseminada pelo mundo, chegou ao
Brasil transformando nossas vidas, relações de consumo, de trabalho, de
moradia e familiares com as instituições públicas e privadas.
Uma das estratégias adotadas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) e pelas autoridades sanitárias foi o isolamento social e a quarentena. Se
tratando de um vírus novo para o qual ainda não há medicamento para cura, a
solução é “Ficar em casa”, e como tem sido difícil esse “ficar em casa” para
muitas famílias pelo Brasil afora.
As unidades habitacionais precárias denunciam uma realidade social
difícil, onde mais de três famílias compartilham da mesma moradia. Essa
realidade pôde ser observada no Conjunto Residencial Jardim Cajazeiras em
Salvador, durante pesquisa exploratória, realizada em 2017, para construção
de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), da graduação em Serviço Social
pela Universidade Salvador (UNIFACS). Segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), no que se refere à situação domiciliar,
470.312 mil residências são de alvenaria sem revestimento. Esse dado nos
mostra que existem pelo estado da Bahia outras comunidades e municípios
com habitações em condições precárias e de coabitação.
Se com a situação de normalidade do dia a dia da nossa população já
era difícil administrar essas questões, como imaginar esse cenário agora em
tempos de pandemia? Para além da situação de coabitação, ainda temos
famílias que não conseguem se adaptar à nova moradia, seja pela falta de
pertencimento ou ainda pela questão de sobrevivência, seja ainda por questões
financeiras e sociais que a nova moradia impõe.
Apesar dos incentivos governamentais para proteção das famílias
durante a pandemia, a recomendação de “ficar em casa”, nos faz refletir sobre
várias questões, como: De que forma ficar em casa, isolado, numa residência
onde vive mais de uma família, em caso de contaminação pelo vírus da Covid-
19? Como manter essas famílias em quarentena, num contexto como o nosso?
Onde 70% da população vive em situação de extrema pobreza, em habitações
com condições precárias e não estava acostumada com a rotina de familiares
durante muito tempo no mesmo espaço?
O poder público tem um grande desafio, em meios tantas mazelas:
garantir que todas as medidas sejam respeitas pela população e que os
serviços essenciais sejam assegurados. Garantir também uma habitação
segura e digna, viabilizando políticas públicas para assegurar acesso dessas
famílias à educação, saúde, lazer e outros serviços essenciais para
sobrevivência humana.
Não podemos neutralizar as unidades habitacionais, que são
construídas longe dos grandes centros dos municípios, levando as famílias
para um caminho de exclusão do convívio social. Muitas vezes, os
empreendimentos são tão distantes que não dispõem de pavimentação
asfáltica e acesso aos serviços essenciais como educação, saúde,
esgotamento sanitário e lazer. Como garantir que as famílias fiquem em casa,
onde não há sequer garantia do mínimo necessário para a sobrevivência?
Para que todas as famílias possam ter seus direitos fundamentais
garantidos é necessário e urgente um trabalho em rede por parte dos
governantes, fazendo com que a população tenha acesso ao mínimo
necessário para a sobrevivência humana. Apenas a manifestação de
solidariedade das pessoas não é suficiente. O Estado precisa garantir o mínimo
necessário para sobrevivência do cidadão, proteção social e acesso a direitos.

Fábio Santos
Assistente Social
Especialista em Projetos Sociais e Direitos Humanos.