MORREU HOJE EM SALVADOR MARIA LÚCIA SANTOS PEREIRA - EX
MORADORA DE RUA E COORDENADORA NACIONAL DO MOVIMENTO DE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Fica aqui minha última homenagem a essa amiga humana e
guerreira que conheci nos meus trabalhos nos campos do SUAS. A quem aprendi a
admirar e respeitar, reconhecendo nela a líder dos milhares dos sem tetos,
dessa população sofrida e sempre julgada pelos que não conhecem a sua
realidade.
Que Lúcia volte para o verdadeiro lar em paz e com a
consciência do dever cumprido.
Abaixo transcrevo o que publiquei após nosso último encontro
no Hospital Edgard Santos (Clínicas):
MARIA LÚCIA SANTOS PEREIRA é um personagem brilhante da
história contemporânea da Bahia, quiçá do Brasil. Quarenta e poucos anos,
ex-moradora de rua, é hoje a Coordenadora Nacional do Movimento da População em
Situação de Rua. Ela é “EX” muita coisa, inclusive EXemplo para as pessoas que
se entregam sem luta.
Recentemente participei de uma roda de conversa com a mesma,
tendo como público assistentes sociais, estudantes, profissionais da saúde e
residentes do Hospital Edgard Santos (Hospital das Clínicas de Salvador). Ela
fez uma narrativa rápida da sua história de vida, explanou sobre a situação
atual do Movimento frente ao governo Temer e respondeu a várias perguntas.
Lembrou que, ao lado de representantes de outros estados,
participou da criação desse Movimento em nos primeiros anos do século 21 quando
em um encontro inter-estadual, onde representava a Bahia. Ousada como todos os
guerreiros, partiu para a liderança e as conquistas, que embora ainda estejam longe
de ser as ideais, já foram muitas. Todavia, diz tremer ao se lembrar que várias
já foram derrubadas pelo governo golpista em exercício, prejudicando um
desenvolvimento social que começava a florescer em grande parte do território
nacional. Deixou claro que o Presidente Lula fomentava essa luta, estando
sempre de mãos dadas com seus líderes. Também citou que o ex presidente FHC
lhes fechou todas as portas, que só se abriram quando Lula foi eleito.
Ela começou a sua fala batendo no peito com orgulho da sua trajetória,
lembrando que preferiu morar nas ruas, a conviver com a desumanidade e abusos
sofridos nas casas de acolhimento de crianças e adolescentes oficiais. Também
afirmou que a convivência com moradores de rua a educou para uma vida mais
disciplinada, pois entre eles há regras e divisão de tarefas. Teve que aprender
a cozinhar e a dividir tudo. Nos grupos, há os que conseguem a comida pedindo
nas casas ou recolhendo no lixo. Há os que cozinham e os que dividem. Há os que
vigiam enquanto os outros dormem. E também aprendeu a se defender dos ataques e
abusos.
Lembrou que, ao chegar ali, logo a ensinaram a andar de
cabelos curtos, pois em uma briga, quem os tem longos sofre os puxões. Também
teve que usar roupas masculinas para não despertar desejos sexuais.
Falou que os piores dias para quem dorme ao relento, são os
em que há jogo de futebol. Os torcedores saem do estádio felizes e comemorando
a vitória do seu time, ou irritados, revoltados com a derrota. E tanto na
comemoração como na derrota, a adrenalina sobe e eles se divertem ou se vingam
atacando, machucando, ou até urinando nos que estão tentando dormir nas
sarjetas. Então eles começaram a aprender a se defender, se escondendo nesses
dias.
Ela nos perguntou: “Quando se fala em MORADOR DE RUA, o que lhe
vem à mente imediatamente?” E disse que o que mais ouvem é a voz do preconceito
que os trata como ladrões, malandros, preguiçosos, vagabundos. “Ninguém acorda
um dia dizendo: A partir de hoje quero ser um morador de rua. A gente se torna
morador de rua por absoluta falta de opção!”
Num país onde o salário mínimo acabou de encolher e o índice
de desemprego bate recorde, onde o rico está cada vez mais rico e o pobre cada
vez mais pobre, onde os poderes constituídos e constituintes recebem até
“auxílio gravata”, “auxílio academia”, “auxílio moradia”, há hoje um
contingente vergonhoso de pessoas sem teto e sem trabalho. Um político armazena
milhões em um apartamento de luxo “emprestado”. O outro é dono de mansões
escandalosamente luxuosas. Enfim, o dinheiro só anda nas mãos de quem nunca
suou para ganha-lo. Mas quem sua, quem precisa de um canto para morar, um
salário modesto para sobreviver, uma saúde pública decente, uma escola pública
que realmente ensine... nada recebe, nada tem e, as poucas conquistas que
tiveram, são-lhes ceifadas por um governo golpista e tirano. Essas são as
minhas conclusões ao ouvir, mais uma vez, a minha amiga Lúcia expor sua luta.
Mas ela não perde as esperanças e não desiste jamais. Segue
lutando, conquistando espaço, falando para os doutores, nos ensinando aquilo
que nunca imaginamos aprender.
Fica aqui um conselho: Se um dia tiverem oportunidade de
assistir uma palestra dessa guerreira negra e mulher, não pensem duas vezes:
assistam e preparem-se para se emocionar e admirar uma eloquência raríssima!
Ela é única! Eu a conheço há seis anos e não me canso de ouvi-la e admira-la.
Aprendo com ela em todas as ocasiões. E confesso que a admiro cada vez mais.
Luzmar Oliveira
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