quarta-feira, 25 de abril de 2018


MORREU HOJE EM SALVADOR MARIA LÚCIA SANTOS PEREIRA - EX MORADORA DE RUA E COORDENADORA NACIONAL DO MOVIMENTO DE POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA


Fica aqui minha última homenagem a essa amiga humana e guerreira que conheci nos meus trabalhos nos campos do SUAS. A quem aprendi a admirar e respeitar, reconhecendo nela a líder dos milhares dos sem tetos, dessa população sofrida e sempre julgada pelos que não conhecem a sua realidade.

Que Lúcia volte para o verdadeiro lar em paz e com a consciência do dever cumprido.
Abaixo transcrevo o que publiquei após nosso último encontro no Hospital Edgard Santos (Clínicas):

MARIA LÚCIA SANTOS PEREIRA é um personagem brilhante da história contemporânea da Bahia, quiçá do Brasil. Quarenta e poucos anos, ex-moradora de rua, é hoje a Coordenadora Nacional do Movimento da População em Situação de Rua. Ela é “EX” muita coisa, inclusive EXemplo para as pessoas que se entregam sem luta.

Recentemente participei de uma roda de conversa com a mesma, tendo como público assistentes sociais, estudantes, profissionais da saúde e residentes do Hospital Edgard Santos (Hospital das Clínicas de Salvador). Ela fez uma narrativa rápida da sua história de vida, explanou sobre a situação atual do Movimento frente ao governo Temer e respondeu a várias perguntas.

Lembrou que, ao lado de representantes de outros estados, participou da criação desse Movimento em nos primeiros anos do século 21 quando em um encontro inter-estadual, onde representava a Bahia. Ousada como todos os guerreiros, partiu para a liderança e as conquistas, que embora ainda estejam longe de ser as ideais, já foram muitas. Todavia, diz tremer ao se lembrar que várias já foram derrubadas pelo governo golpista em exercício, prejudicando um desenvolvimento social que começava a florescer em grande parte do território nacional. Deixou claro que o Presidente Lula fomentava essa luta, estando sempre de mãos dadas com seus líderes. Também citou que o ex presidente FHC lhes fechou todas as portas, que só se abriram quando Lula foi eleito.

Ela começou a sua fala batendo no peito com orgulho da sua trajetória, lembrando que preferiu morar nas ruas, a conviver com a desumanidade e abusos sofridos nas casas de acolhimento de crianças e adolescentes oficiais. Também afirmou que a convivência com moradores de rua a educou para uma vida mais disciplinada, pois entre eles há regras e divisão de tarefas. Teve que aprender a cozinhar e a dividir tudo. Nos grupos, há os que conseguem a comida pedindo nas casas ou recolhendo no lixo. Há os que cozinham e os que dividem. Há os que vigiam enquanto os outros dormem. E também aprendeu a se defender dos ataques e abusos.

Lembrou que, ao chegar ali, logo a ensinaram a andar de cabelos curtos, pois em uma briga, quem os tem longos sofre os puxões. Também teve que usar roupas masculinas para não despertar desejos sexuais.

Falou que os piores dias para quem dorme ao relento, são os em que há jogo de futebol. Os torcedores saem do estádio felizes e comemorando a vitória do seu time, ou irritados, revoltados com a derrota. E tanto na comemoração como na derrota, a adrenalina sobe e eles se divertem ou se vingam atacando, machucando, ou até urinando nos que estão tentando dormir nas sarjetas. Então eles começaram a aprender a se defender, se escondendo nesses dias.

Ela nos perguntou: “Quando se fala em MORADOR DE RUA, o que lhe vem à mente imediatamente?” E disse que o que mais ouvem é a voz do preconceito que os trata como ladrões, malandros, preguiçosos, vagabundos. “Ninguém acorda um dia dizendo: A partir de hoje quero ser um morador de rua. A gente se torna morador de rua por absoluta falta de opção!”

Num país onde o salário mínimo acabou de encolher e o índice de desemprego bate recorde, onde o rico está cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre, onde os poderes constituídos e constituintes recebem até “auxílio gravata”, “auxílio academia”, “auxílio moradia”, há hoje um contingente vergonhoso de pessoas sem teto e sem trabalho. Um político armazena milhões em um apartamento de luxo “emprestado”. O outro é dono de mansões escandalosamente luxuosas. Enfim, o dinheiro só anda nas mãos de quem nunca suou para ganha-lo. Mas quem sua, quem precisa de um canto para morar, um salário modesto para sobreviver, uma saúde pública decente, uma escola pública que realmente ensine... nada recebe, nada tem e, as poucas conquistas que tiveram, são-lhes ceifadas por um governo golpista e tirano. Essas são as minhas conclusões ao ouvir, mais uma vez, a minha amiga Lúcia expor sua luta.

Mas ela não perde as esperanças e não desiste jamais. Segue lutando, conquistando espaço, falando para os doutores, nos ensinando aquilo que nunca imaginamos aprender.

Fica aqui um conselho: Se um dia tiverem oportunidade de assistir uma palestra dessa guerreira negra e mulher, não pensem duas vezes: assistam e preparem-se para se emocionar e admirar uma eloquência raríssima! Ela é única! Eu a conheço há seis anos e não me canso de ouvi-la e admira-la. Aprendo com ela em todas as ocasiões. E confesso que a admiro cada vez mais.

Luzmar Oliveira









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