Estudo encontra 999
beneficiários do Bolsa Família que conquistaram 1.288 medalhas em olimpíada de
matemática
Juntos, estudantes de famílias carentes de todos os estados
conquistaram 1.288 medalhas de ouro, prata e bronze em sete edições da Obmep, a
Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas.
Rodrigo Nascimento, de 19 anos, exibe as medalhas conquistadas na Obmep (Foto: Marianna Rios/MDS)
Criada em 2005 para tentar popularizar a matemática entre
estudantes do ensino fundamental e médio, a Olimpíada Brasileira de Matemática
de Escolas Públicas (Obmep) já atinge 18 milhões de alunos de 99% dos
municípios do país. A abrangência da iniciativa tem ajudado a revelar talentos
para a área, inclusive entre parte das famílias mais pobres do Brasil: um
cruzamento de dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) encontrou,
entre as 45 mil medalhas distribuídas pela Obmep desde 2011, 999 estudantes
beneficiários do Programa Bolsa Família. Eles conquistaram 1.288 medalhas.
Os estudantes Rodrigo Gonçalves do Nascimento, de Capela do
Alto (SP) e Geovana Rodrigues da Pascoa Souza, de Sobral (CE), fazem parte
desse grupo. Segundo dados obtidos pelo G1 junto ao MDS, Minas
Gerais, São Paulo e Ceará respondem por 576 das 1.288 medalhas, ou 45% do
total.
Rodrigo, hoje com 19 anos, participou seis vezes da Obmep,
entre o 7º ano do ensino fundamental e o 3º do ensino médio. Ganhou medalhas em
todos os anos – duas de ouro e quatro de prata. Geovana possui duas medalhas e
uma menção honrosa da Obmep.
"Matemática é uma matéria que eu gosto muito, desde
pequeno tenho muita facilidade. Eu participei da Obmep a primeira vez porque a
escola inscreveu todo mundo, mesmo quem não tinha interesse. Mas eu participei
porque eu gosto, além do mais queria ir para o PIC [Programa de Iniciação
Científica]", afirma Rodrigo.
O PIC é um curso oferecido aos medalhistas da Obmep com
duração de um ano. Eles são desafiados a responder exercícios de raciocínio
lógico virtualmente e participam de encontros presenciais mensais em polos que
reúnem estudantes de uma mesma região.
Geovana, que hoje tem 15 anos, conheceu a Obmep em 2015,
quando estava no 6º ano, por conta do professor de matemática da Escola José
Inacio Gomes Parente, da rede pública de Sobral. O professor formou um pequeno
grupo de estudo entre os interessados em fazer a prova e em sua primeira
participação na competição, Geovana garantiu uma menção honrosa. Em 2016,
depois de se preparar durante todo o ano, ganhou a medalha de ouro.
Ambos são beneficiários do Bolsa Família. O pai de Geovana
divide a sociedade de uma pequena granja com o irmão, e a mãe trabalha como
doméstica. Ela tem dois irmãos mais velhos que não trabalham.
Já o pai de Rodrigo é caseiro, e a mãe trabalha como
faxineira. Ele possui seis irmãos, mas nenhum se interessou pelos estudos.
"Minha irmã mais velha vende marmitex e meu irmão mais velho é
serralheiro."
1.288 medalhas acumuladas
Rodrigo, Geovana e os outros 997 beneficiários do Bolsa
Família acumulam, no total, 1.288 medalhas: 93 de ouro, 234 de prata e 961 de
bronze. Os estudantes também receberam 465 menções honrosas no período.
Contato positivo com a matemática
Em entrevista ao G1, Artur Ávila, o brasileiro que
recebeu, em 2014, a Medalha Fields, considerada o "Nobel da
matemática", afirmou que as olimpíadas do conhecimento não são a solução
ideal para o problema educacional brasileiro, mas diz que elas são "um
programa extremamente barato e com o qual você consegue passar ao lado dessas
dificuldades que tem no ensino em geral".
Segundo ele, um dos benefícios é acessar "alunos muitas
vezes de comunidades carentes de lugares que você não esperaria, devido às
dificuldades econômicas no Brasil", e oferecer a eles um "primeiro
contato positivo com o estudo e com a matemática".
No caso de Geovana, junto com os prêmios da Obemp veio o
convite para estudar com bolsa integral em uma escola particular de Sobral.
Atualmente ela cursa o 9º ano na escola Farias Brito Sobralense e segue firme
na preparação para as olimpíadas. Almeja, inclusive, chegar às competições
internacionais.
"Vou participar nesse ano e pretendo participar nos
próximos três anos [até o ensino médio] porque eu vi que a olímpiada pode
trazer muitos benefícios e mudanças positivas na minha vida. Por causa da
Obmep, várias pessoas conseguem entrar na faculdade e melhorar a formação
acadêmica, e é isso que eu quero para mim também", diz.
Geovana quer seguir estudando e cursar alguma faculdade
relacionada à matemática.
"A Obmep mudou bastante minha vida, ganhei bolsa de
estudo completa, fiz novas amizades com pessoas que gostam tanto de matemática
como eu. Sou muito grata."
Futuro na programação
Rodrigo concluiu o ensino médio há dois anos, e agora estuda
sozinho para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para tentar uma vaga na
universidade. Seu sonho é cursar informática e se tornar um grande programador.
"Eu trabalhava em um comércio, fazia tudo lá, mas
juntei um dinheiro para conseguir me manter e saí. Agora não estou trabalhando
para me dedicar aos estudos nesse pouco tempo que falta para o Enem."
Para o adolescente, os cursos realizados durante a Obmep
o ajudaram a gostar ainda mais de matemática. "Era muito legal porque
conheci bastante gente e nos cursos só tinha gente interessada naquilo que eu
gostava. Acho que a Obmep foi muito importante na minha vida."
Como os jovens foram encontrados
Ao G1, o MDS afirmou que chegou a esses 999
estudantes por meio de uma série de cruzamentos de informações. As bases de
dados cruzadas foram a do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal, conhecida como CadÚnico com a de medalhistas e menção honrosa da
Obmep. De acordo com o Impa, na primeira fase da olimpíada, da qual costumam
participar mais de 18 milhões de estudantes, a inscrição é feita por escola e a
participação é optativa, por isso não existe um banco de dados pessoais dos
inscritos.
"A metodologia utilizada para cruzar os dados levou em
consideração o nome, a data de nascimento, o nome da mãe e o CPF do
estudante", explicou o ministério.
Apesar de a maioria das medalhas ser de bronze, o
levantamento mostra que 101 desses 999 estudantes conseguiram ganhar pelo menos
três medalhas em edições diferentes da Obmep.
A distribuição dos jovens atinge todos os estados. A pedido
do G1, o MDS listou o número de medalhas obtidas em cada estado.
Minas Gerais, São Paulo e Ceará são os únicos estados onde foram conquistadas
mais de 100 medalhas, e outros quatro estados receberam menos de dez medalhas:
Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.
Geovana Rodrigues da Pascoa Souza, de Sobral, com a medalha de ouro da Obmep (Foto: Arquivo pessoal)
Foto de Rodrigo de 2013, quando ele estava no 9º ano e o professor de matemática Vanderlei Machado, da escola Marcílio Leite de Almeida, na cidade de Capela do Alto (Foto: Arquivo pessoal)
Mapa mostra a distribuição por estado das medalhas da Obmep conquistadas pelos beneficiários do Bolsa Família entre 2011 e 2017 (Foto: Fernanda Garrafiel/G1)
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