domingo, 9 de dezembro de 2018


PROTEÇÃO INSTITUCIONAL GERA PROTEÇÃO FAMILIAR: CONTRIBUIÇÕES DA POLITICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA FUNÇÃO PROTETIVA DA FAMÍLIA

Thaise Viana


A Assistência Social enquanto política publica setorial, de proteção social não contributiva, integrante do tripé da Seguridade Social, por meio do Sistema Único de Assistência Social/LOAS - Lei nº 8.742/1993 revisada com a Lei nº 12.435 de 2011, estabelece como uma das suas diretrizes estruturantes a matricialidade sociofamiliar e o convívio familiar e comunitário, como uma das seguranças a serem afiançadas pelo sistema.

Embora historicamente reconhecida pelo campo das ofertas materiais – benefícios socioassistenciais, a Assistência Social tem um vasto campo de entregas imateriais, sendo uma política caracterizada por alguns teóricos como uma política do campo relacional, haja vista o conjunto expressivo dos seus serviços socioassistenciais, sejam eles de proteção social básica ou proteção social especial.
A potencialização da função protetiva da família – reprodução material e cuidado afetivo/relacional,  é objeto dos serviços socioassistenciais, por reconhecermos que questões estruturais e sociais, que permeiam uma sociedade desigual, marcada por concentração de riquezas socialmente produzidas, por vezes inviabilizam a maioria das famílias brasileiras no exercício desta função. Podemos afirmar que as situações de risco às quais estão submetidas tais famílias, somadas ao precário e nulo acesso a direitos/políticas publicas, as tornam mais vulneráveis socialmente, portanto com menor capacidade ou condições de reagir e enfrentar os riscos sociais.

Por família compreende-se grupo de pessoas  unidas por laços consanguíneos, afetivos ou de solidariedade. “A família, independentemente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que ela se caracteriza como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos e geralmente, também, por desigualdades, além de que nas sociedades capitalistas a família é fundamental no âmbito da proteção social”(PNAS 2004).

A segurança de convívio familiar e comunitário, possibilita, por meio da oferta pública de serviços socioassitenciais continuados, um trabalho socioeducativo, envolvendo o acompanhamento psicossocial proativo e preventivo, que garantam a construção, restauração e o fortalecimento de laços de pertencimento e vínculos sociais, de natureza geracional, Intergeracional, familiar, de vizinhança e societário. Assim, a configuramos como um direito socioassitencial, a luz da compreensão de que todo individuo é um ser sociável e que, portanto, sua condição de existência perpassa essa dimensão das relações sociais/familiares.

Obviamente que família não é um tema privativo da Assistência Social, inclusive por conta de que este tema se concretiza e se avoluma no rol das políticas sociais, desde os anos 40, na Política de Assistência Social e na Saúde, embora através e uma lógica de filantropia e médica. O que se pode constatar até aqui é que a Assistência Social efetivou um caminho de construção e demarcação do tema ”família” como um fim e não como meio.

Ao longo da sua trajetória de construção e consolidação, a Política de Assistência Social, combinou os temas “família” e “pobreza”. Nos seus primórdios, permeava uma lógica assistencialista, focalista, subalternizante, residual, sendo instrumento de reprodução das desigualdades e dominação. Já a partir dos anos noventa, com a cultura dos direitos sociais inaugurada com a Constituição de 88, e o reconhecimento dos pobres como sujeitos sociais, num contexto de aquecimento dos movimentos sociais, tivemos o desenvolvimento do trabalho com família na perspectiva de proteção e cidadania.

No campo dos serviços, de proteção social básica ou de proteção social especial de media e alta complexidade, desenvolvemos o chamado “trabalho social com famílias” que consiste em “Conjunto de procedimentos efetuados a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico-metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de contribuir para a convivência, reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social de um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade – que se constitui em um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, com o objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros, bem como assegurar o convívio familiar e comunitário, a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis. Tal objetivo materializa-se a partir do desenvolvimento de ações de caráter “preventivo, protetivo e proativo”, reconhecendo as famílias e seus membros como sujeitos de direitos e tendo por foco as potencialidades e vulnerabilidades presentes no seu território de vivência.” (BRASIL, 2012b:11).

Especificamente no campo da proteção social especial de alta complexidade, no caso de crianças e adolescentes, lidamos com a perda do poder familiar, que torna o trabalho com família mais desafiador, incluindo a articulação entre as equipes de media e alta complexidade na perspectiva da reinserção familiar. A destituição do poder familiar é uma medida protetiva que visa resguardar as crianças e os adolescentes de situações que afetem a sua integridade física e psicológica, sendo uma medida extrema/excepcional que só acontece em último caso. Exige dos profissionais análise de todos os fatos, dinâmica e contexto sócio-familiar de forma cautelosa, considerando inclusive os aspectos sócio-econômicos e políticos, as situações de vulnerabilidade e risco social, e, portanto, as expressões da questão social e a ausência de políticas públicas no território. É essencial entender que a questão social não se reduz apenas ao valor da renda dos indivíduos, ela se refere a múltiplos fatores como privação dos direitos, de atendimento, de salários, de trabalho e de moradia. Privações essas que afetam diretamente as crianças e os adolescentes (SANTOS, 2012).

Vulnerabilidade social, de acordo com as definições e observações de Aldaisa Sposatti, diz respeito à densidade e à intensidade de condições que portam pessoas e famílias para reagir e enfrentar um risco, reconhecendo capacidades ou a capacidade de resistência a confrontos e conflitos. Já o significado de risco social supõe conhecer as incidências, as causalidades, as dimensões dos danos para estimular a possibilidade de reparação e superação, o grau de agressão do risco.

“Por reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida” (PNAS 2004).

Para fazer frente às situações de vulnerabilidade e risco social, associadas a violação de direitos, violência, e/ou ruptura ou fragilidade de vínculos familiares, na direção da desnaturalização das manifestações da questão social, de descortinar e visibilizar contradições históricas de um sistema capitalista excludentes, e na concepção de que a capacidade protetiva da família se desenvolve ou se potencializa a depender do quanto de proteção institucional elas acessam via políticas publicas,  construímos e praticamos o trabalho social com famílias fazendo uso de instrumentos de registros e técnico-operacionais -  plano de acompanhamento familiar, plano de atendimento individual, prontuário SUAS, registro mensal de atendimento – RMA, relatório de acompanhamento físico – RAF, entrevista, visita domiciliar, encaminhamentos, reuniões, relatório de acompanhamento familiar. Há que se considerar que tal trabalho envolve fases como: reconhecimento, avaliação da situação, acompanhamento familiar/implementação do Plano de Acompanhamento Familiar, avaliação/ desligamento/fechamento.

 Mas para dar sentido político e ético ao uso destes instrumentos, é indispensável conhecer, compreender e analisar:  quem são as famílias (envolve o conhecimento de diferentes aspectos tais como, a localização do domicílio, a sua composição, a idade dos membros da família, a escolaridade e os motivos pelos quais recorrem aos serviços);  como vivem as famílias (relaciona-se ao conhecimento de como se organiza a vida familiar, as condições de vida  e como se estabelece a convivência familiar e comunitária, e inclui também informações sobre  profissão e ocupação dos seus membros, o acesso à renda,  sobre o território onde vivem e como se realiza o acesso aos serviços de infraestrutura, aos serviços sociais e aos bens culturais do território e da cidade) e como exercem proteção social (à família cabe a tarefa de articular a proteção dos seus, através das negociações que estabelece entre seus membros e com outras esferas da sociedade, perpassando questões de conjugalidade, parentalidade, intergeracionais,  as relações de autoridade e poder, as relações de cuidado com os dependentes  - crianças, adolescentes, idosos, doentes, deficientes).

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                      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

•GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1995.
•Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. -- Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009.
•Fundamentos ético-políticos e rumos teórico metodológicos para fortalecer o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social, MDS,  Brasília – 2016
•Caminhos para a cidadania: a experiência do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, CREAS, do Município de Rio Claro, SP, na garantia dos direitos humanos / (organização Gabriela Schreiner). Rio Claro, SP: Prefeitura Municipal de Rio Claro, 2013.
•Documento técnico orientador para subsidiar o seminário nacional sobre trabalho social com famílias na PNAS à luz das avaliações sobre a produção acadêmica na área da Assistência Social e a produção institucional do MDS sobre trabalho social com famílias realizadas nos produtos anteriores. https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/Produto%203%20-%20TSF_MIOTO.pdf
  Consultora: Regina Célia Tamaso Mioto -Setembro de 2015



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